Um dos maiores nomes da literatura paraense, Dalcídio Jurandir (1909-1979) é autor do ciclo Extremo Norte, composto de dez romances, entre os quais, Chove nos Campos de Cachoeira, Marajó e Belém do Grão-Pará. Deste selecionamos o trecho abaixo, em que o autor, segundo Benedito Nunes, “firma definitivo o seu nome como introdutor da paisagem urbana da Amazônia na literatura brasileira de ficção”.
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“(…) A cidade. Alfredo olhava. Via os telhados, as mangueiras cobrindo aquele acampamento, as andorinhas. Errava um cheiro de criancinha verde e doces, de peito de mãe. Subiu um foguete. E pela beira da praia o peixe frito se misturava ao azeite de andiroba, cumaru e ervas. Blocos de gelo nas canoas geleiras atiçavam as sedes e a curiosidade. Descarregavam peixe. Alfredo reparava nas bocas. Umas comiam, quantas fumando, aquelas gritavam, cantavam, cuspiam. As bocas. Aquele tapuio agarrado a um cabo de proa, corpo liso, lustroso, só de calção, os dentes rasgavam-lhe a boca numa risada que era uma arte, de tão bem rir. E o som das violas? Lá pelos fundos daquela acumulação de embarcações, espremida e fininha, chegava até as orelhas de Alfredo um sopro de clarinete.
(…)
Até o bonde ia vagaroso.
E meio sujo, seus passageiros afundavam-se num silêncio e apatia indefiníveis. Pareciam fartos de Belém enquanto o menino seguia com uma crescente gula da cidade. O bonde, cuspindo e engolindo gente, mergulhava nas saborosas entranhas de Belém, macias de mangueiras, quintais com bananeiras espiando por cima do muro, uma normalista, feixes de lenha à porta da taberna, a carrocinha dos cachorros que os levava para o fogo, na Cremação, o moleque saltando no estribo e logo descendo como se fosse pago para aquilo, tabuleiros de pupunha que transpiravam ao sol, a bandeirinha mais roxa que vermelha de açaí, um menino de calça encarnada, o portão arriando ao peso de um jasmineiro em flor.
(…)
Passaram pelo Largo de Nazaré, a Basílica em tijolos ainda, a antiga igreja ao lado. Cobrindo o Largo, mais monumentais que a Basílica, as velhas samaumeiras. À esquina da Gentil com a Generalíssimo, saltaram.
A cidade balançava ainda. Ou estava tonto com os cheiros de Belém?”
Dalcídio Jurandir, Belém do Grão-Pará
Coordenação e textos: Elias Ribeiro Pinto