Junho é mês de São João, Santo Antônio e São Pedro. Mês das comidas típicas das festas juninas. E do banho de cheiro-cheiroso.

Em 1964, o cronista Inocêncio Machado Coelho Neto (1909-2001) já registrava a industrialização do banho de cheiro e de defumadores nas fábricas locais. Segundo o autor, “os banhos de cheiro já não reclamam época própria para eles, pois são tomados em qualquer tempo”. Atestava ainda que “a procura da mercadoria” era tão grande que, “há cerca de três anos, se fundou na capital paraense uma casa destinada especialmente a esse ramo de comércio – a XANGOLÂNDIA, cujo sortimento é o mais completo que se pode imaginar”.

Reproduz-se a seguir trechos do saboroso e informativo artigo de Machado Coelho, publicado há quase 60 anos.

BANHOS DE CHEIRO, DEFUMADORES E PÓS DE MILONGA

É um caso interessante o que vem ocorrendo no Pará com os banhos de cheiro, antiga e pitoresca tradição de Belém, de Manaus, da Amazônia.

Antigamente, eram eles reservados à quadra junina, no dia, ou melhor, na véspera do dia de São João, o grande santo dos festejos populares, sendo tomados depois das novenas e dos “terços” e das passagens de fogueiras, com as “sortes” e os compadrios.

E porque era assim, Lauro Palhano, fiel retratista de cenas e costumes nortistas, registrou o fato n’O Gororoba: “Véspera de São João, a noite alegre do Brasil doutrora… Assam-se milhos, cocos, carás, aipim, canas e tudo que é possível assar-se em fogueiras. Nos banheiros estão ‘de mulho’ folhas e raízes aromáticas para os banhos da meia-noite, banhos de felicidade que hão de tirar a caninga, nos amores ou nos negócios”.

Depoimento verdadeiro, que Raimundo Morais, o maior cronista da Planície, abonou, confirmou n’Os Igaraúnas: “Da barraquinha do pobre ao palacete dos ricaços, no passar de 23 para 24 de junho, as mãos femininas ralam, misturam, combinam, mexem e filtram vegetais para o banho propício. Cada criatura possui a sua cuia de cheiro, a sua bacia, a sua banheira, uma vasilha enfim com o miraculoso líquido perfumado. A infusão admirável não somente dá sorte, alegria, prosperidade, como tira a macacoa, a caipora, o azar. Entornada sobre o corpo, equivale a uma limpeza no físico e na alma do indivíduo; dilui a graxa e a panemice; tonifica o coração e amacia o semblante”.

Hoje em dia a coisa mudou de aspecto, de figura. Os banhos de cheiro já não reclamam época própria para eles, pois são tomados em qualquer tempo. Para a quadra junina ficaram os que os raizeiros do Ver-o-Peso já vão chamando – notem bem a distinção – de banhos verdes, feitos com ervas, cascas, cipós, flores, raízes e resinas, numa infusão aromática, inebriante e – se não é pecado dizer – afrodisíaca.

Foto: Agência Belém

A XANGOLÂNDIA

A procura da mercadoria, no entanto, é tão grande que, há cerca de três anos, se fundou na capital paraense uma casa destinada especialmente a esse ramo de comércio – a XANGOLÂNDIA, cujo sortimento é o mais completo que se pode imaginar.

Encontram-se ali os seguintes banhos de fabricação local: “Abre Caminho do Êxito”, “Abre Caminho da Fortuna”, “Caboclos”, “Caboclo Rompe Mato”, “Comigo Ninguém Pode”, “Cosme e Damião”, “Desatrapalha”, “Falange dos Índios”, “Felicidade”, “Fortuna”, “Hei de Vencer”, “Olhos Cobiçosos”, “Pai Joaquim de Aruanda”, “Sete Luzes”, “Uirapuru” e “Vence Tudo”. (…)

Mas, vendem-se lá banhos somente? Não, defumações também. Aliás, o povo prefere chamá-las defumadores. Por um processo metonímico, a substância aqui tomou o nome do vaso em que é queimada. Assim, temos os seguintes defumadores de preparação paraense: “Caboclo Arariúna”, “Chama”, “Êxito”, “Flecheiro”, “São Jorge” e “Uirapuru”.

(…)

Dir-se-ia que banhos e defumadores bastariam para resolver o problema da felicidade pessoal dos que usam e abusam deles, Mas, não! Têm que ser complementados em sua ação e em seus efeitos por alguns bálsamos, como “São Tomé”, por certos perfumes, como o “Uirapuru” e sobretudo pelos pós odoríferos, os chamados pós de milonga, pós da simpatia e do sortilégio, que, espalhados sobre o corpo ou sobre a roupa do individuo, produzem um resultado maravilhoso (!). Feito com a prata de casa, aqui a mata de casa, vende-se, no momento, na XANGOLÂNDIA, apenas um: o “Êxito”.

(…)

MACHADO COELHO, MAIO DE 1964

Coordenação e Textos: ELIAS RIBEIRO PINTO

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