Bruno de Menezes: “derradeiro depoimento emocional”.

OS CHEIROS DO PARÁ

Doutor na ciência do povo do Pará, o poeta e folclorista Bruno de Menezes (1894-1963), autor de um dos principais livros de poesia paraense, “Batuque”, escreveu “No Reino do ‘Cheiro-Cheiroso’”, seu último texto publicado em vida em Belém, no jornal “A Província do Pará”, edição de 17 de março de 1963. Foi “seu derradeiro depoimento emocional”, observou o conhecido historiador Luís da Câmara Cascudo.

Transcrevemos a seguir trechos do artigo de Bruno de Menezes

A Flora Representada e Outros Produtos

Para quem trata a primeira vez com aquela variedade estonteante de espécimes da nossa flora, dispersa pelas bancas, não sabendo a serventia de tantos trevos aromáticos, de incontáveis raízes, de bolbos desconhecidos, de tajás portadores de sortilégios, de cascas consideradas preciosas, de breus recomendados para o amor, dos óleos vegetais curativos, das gorduras de animais para fricções reumáticas, dos ninhos de pássaros que trazem felicidade, das cabeças de cobras benfazejas, dos órgãos de coati, dos olhos de boto, dos cavalos-marinhos para os preparos dos remédios estimulantes da senectude, dos gogós de guariba para coqueluche, dos espinhos de cuandu para defumações, dos matos imprescindíveis para os banhos – aos que tomam contato com esse quase misterioso e altamente influenciador meio florístico, no qual pontifica a sapiência de quem nunca leu um tratado de Botânica – a pessoa que o fizer, ficará convicta de que existem forças superiores atuando nesse ambiente. É por isso, talvez, que as vendeiras, após servirem as receitas, agradecem aos atendidos, desejando-lhes Paz, com a graça de Nosso Senhor Bom Jesus.

Os “Cheiros do Pará” na Literatura

Pela característica desse trecho da feira e o negócio especializado que recomenda o arruado dos Cheiros-Cheirosos, o citado local tem merecido a visita e o registro de escritores, jornalistas, de turistas um tanto sofisticados, que em livros ou reportagens já aludiram àquela particularidade da terra paraense. Quem com maior entusiasmo e ternura sentimental vem-se manifestando a tal respeito é nossa querida e consagrada Eneida, dando mesmo a um de seus apreciados volumes o título de “Banho de Cheiro” (Rio de Janeiro, 1962).

Outro fascinado é o douto acadêmico Peregrino Júnior, que em obras de cunho amazônico não esqueceu as “Pussangas” (Rio de Janeiro, 1929) do Pará; Osvaldo Orico, apesar de arraigado no Sul, também com sua poltrona no Trianon Brasileiro, não deixa de rever o berço redutoense; na sua bibliografia valiosa, Luís da Câmara Cascudo, emérito pesquisador das fontes da cultura popular , fixou no “Meleagro” (Rio de Janeiro, 1951), a fase atuante dos catimbozeiros nordestinos, que importavam as ervas e amuletos, para seus trabalhos, de Belém do Pará, num intercâmbio com os antigos mercantes dos cheiros da feira do Ver-o-Peso.

E assim, decerto, sob a influência dominante do gosto olfativo esses cheiros da terra, que chegam a constituir preceitos, nunca deixados de cumprir, nos banhos, nas receitas, é que o poeta escreveu o poema crioulo, Versos pra minha Frô, que resume tudo o quanto de sedução pelo cheiro, se pode conceber.

Coordenação e textos: Elias Ribeiro Pinto

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